O que você vê quando olha pra essa superfície refletora? O que você sente quando olha pra imagem refletida? O que você pensa nesse momento? O que você gostaria de falar pra pessoa do outro lado?
Obviamente que estas não são perguntas simples, pois dependem muito do momento, de como estamos e como nos sentimos. Especialmente pra nós, mulheres, que vivenciamos tamanha montanha-russa hormonal todo mês.
Meu ponto aqui é gerar uma reflexão (hue) sobre o modo como nos percebemos, principalmente no que concerne nossa imagem. Como mulheres, recebemos uma pressão descomunal da sociedade em cima da nossa aparência, e, como dançarinas, inclui-se nisso a cobrança de uma imagem agradável em prol do trabalho.
Não é novidade o quanto estas imposições nos fazem mal, nos desfiguram, nos deprimem e enlouquecem. O que talvez não esteja tão claro é a dificuldade em nos livrar deste peso. Infelizmente não é algo simples chegar pra nós mesmas e dizer “eu sou linda, me amo, e mereço tudo de bom”, e pronto, ficamos livres das cobranças.
Desenvolver uma boa auto-estima e auto-confiança é um trabalho gradual e cansativo. Temos que, o tempo todo, nos lembrar de nosso valor, que não somos definidas pelos outros, e nos convencer disso – pois as vozes que nos diminuem, internas e externas, são constantes.
Buscar isso é buscar o famoso empoderamento, ou seja, devolver ao nosso controle o poder sobre nós mesmas. Porém, mesmo a mulher que já conseguiu avançar nesse caminho tem seus dias de recaída. É uma luta mental, emocional, e ininterrupta. Então, deixo aqui alguns questionamentos interessantes de nos fazermos, de tempos em tempos, em prol de descobrirmos mais sobre nós mesmas, sobre como nos vemos, sobre a relação de nós com nós mesmas, pra podermos retirar a máscara que o mundo nos faz criar, e ver o que realmente há por detrás dela.
Qual a tua relação com teu corpo?
Como tu vê teu próprio corpo?
Como tu sente o teu corpo?
Como tu gostaria que ele fosse?
E o mais importante: porquê?
Porquê vê teu corpo dessa forma? Porquê o sente assim? Porquê o mudaria, se o fizesse? Porquê tens essa relação com ele? Lembrando que isso vale para o corpo em geral, para o rosto, e mesmo para a personalidade e alma. Se você for a fundo e de maneira sincera, certamente vai perceber que várias – se não, todas – as respostas pra estas perguntas têm uma origem externa. O desejo de agradar o outro, de não ser deixado de lado pela sociedade, de não sofrer críticas negativas, de não sofrer bullying ou outras violências, de receber carinho, elogios e aceitação.
E já sabemos que buscar nossos objetivos com essas bases não vai nos trazer felicidade, não vai impedir de sermoas rejeitadas e criticadas. Por isso é imprescindível dissolvermos esses impulsos, e, caso o desejo permaneça, entender o porquê dele estar ali, e como conseguir resolver isso sem sermos submetidas ao crivo externo.
Questionar é uma das mais fortes armas do ser humano, e temos que desenvolver cada vez mais os miolos pra conseguirmos quebrar os condicionamentos psicológicos impostos à nossa percepção da auto-imagem. Porém, apenas questionar, infelizmente, não resolve o problema. Pra nos livrarmos dessas imposições, temos que entendê-las, dissecá-las e enfim destruí-las. É a famosa desconstrução, que tanto falamos hoje. É um processo demorado, subjetivo e muito pessoal. Devemos ser psicólogos de nós mesmos.
Mas, apesar de ser algo fortemente pessoal, ajuda é sempre bem-vinda, e perceber o lugar do outro, as experiências de outra pessoa, o contexto em que ela vive… tudo isso nos ajuda a desenvolver empatia – que poderá ser aplicada em nós mesmas depois. Porque empatia é compreensão e compaixão, coisas que são sufocadas na gente, tanto com relação ao outro quanto conosco, e é isso que permite cairmos nas armadilhas do sistema.
E em tempos sombrios como hoje, progressos e boas experiências podem servir de inspiração pra muitas gente sofrida por aí. Quem consegue vencer algum destes obstáculos, mesmo que apenas um pedacinho, pode e deve expô-lo, para que outras a vejam e ganhem coragem de fazer o mesmo.
Quem está tendo dificuldade, siga em frente e não desista. Você não está sozinha.
Agora, se você não está nem aí pra isso, se você acha que tudo isso é bobagem e perda de tempo, que somos um bando de loucas destruidoras de lares… vai passear, tomar um ar, refletir sobre a Vida, o Universo e Tudo o Mais. Saia da sua bolha. Volte quando perceber o quanto tu mesma se machuca com isso. Estaremos de braços abertos. 🙂
Outra questão importante nessa abordagem com o espelho é relativa ao nosso senso de identidade. Usamos nossa imagem como forma de identificarmos quem nós somos, como somos, e como nos projetamos no mundo. Personalidade não é só algo de dentro da gente, a forma como agimos e tals. O corpo também fala.
Ele nos fala sobre nosso estado de saúde física, mental, emocional, e também fala sobre nossa máscara, nosso inconsciente e nosso ego. O corpo é uma projeção de nós mesmas. Assim, podemos fazer ainda mais perguntas-chave ao nos encararmos em frente a um espelho.
Quem você vê no espelho?
Entender – ou buscar entender – isso vai ajudar na compreensão do corpo e da nossa relação com ele. É justamente a falta desse tipo de mergulho interno que faz com que tanta gente mova montanhas pra modificar ou moldar seu corpo… pra no fim não obter a famigerada felicidade que todos diriam que conseguiria.
Felicidade é um estado de espírito, não uma imagem que pode ser alcançada. Pergunte-se sobre você mesma, e verá que tudo o que você encontra nada mais é que uma descrição, uma definição pra lhe encaixar em determinada caixa.
O corpo é maleável.
O corpo é uma expressão de ti mesma.
Expresse-se como quiser.
O corpo é arte.
Você é arte.
Capisce? Ouça teu corpo. Veja o que ele diz. Entenda a estrutura do seu corpo. Como ele engorda, como emagrece, como sua fisiologia funciona. Como ele reage às tuas emoções.
Se você é feliz numa vibe super natureba, cabelo natural, não se depila, não se importa com celulites e gordurinhas localizadas: ÓTIMO!
Se você é feliz sendo vaidosa, adora maquiagem, roupas de oncinha, salto alto e cintura fina: ÓTIMO!
Se você é feliz sendo gordinha, se lambuzando em pizzas de cinco queijos e tomando banho de leite condensado e usando roupas sexys: ÓTIMO!
Se você é feliz sendo rata de academia, tomando shakes e moldando cada músculo: ÓTIMO!
TODA forma é permitida.
E percebam que, em todos os exemplos acima, nada é fixo. A viciada em academia pode muito bem parar de fazer exercícios e tornar-se gordinha. E ainda assim ser feliz. A gordinha comilona pode emagrecer. E ainda assim ser feliz. A vaidosa pode mudar totalmente de estilo, parar de se maquiar e usar pijama o dia todo. E ainda assim ser feliz. A hiponga pode se depilar e maquiar feito dragqueen. E ainda assim ser feliz.
Você não é apenas uma coisa, pré-definida e fixa. Podemos nos esbanjar passeando livremente por diversas vivências. No final das contas, você perceberá que isso tudo é apenas experiência, porque a tua essência não veste rótulos.
E, no mundo da dança, é imprescindível que façamos essas perguntas a nós mesmas, seja pra poder desfrutar da delícia que é dançar e sentir-se bonita, seja pra descobrir as profundezas do seu ser para expressar no palco.
Não se deixe abater porque o que vê no espelho não é o ideal. Não existe ideal. O que existe, existe. Há todo tipo de corpo, de alma, de arte, de abordagem, e todas elas são válidas e importantes. O que não impacta você, impacta outra pessoa.
Como “tema de casa”, deixo esse mesmíssimo exercício de questionar-se na frente do espelho… aplicado à outras pessoas. Quando você ver uma pessoa, ou uma performance, observe como você reage à isso. Perceba o que você pensa e sente sobre, e questione. Isso pode falar muito mais sobre você, do que a opinião que você tem sobre o outro.
Questione tudo.
~~~~~~~~~~~
Arte do topo: “Chants field mirror 4”, by Alex Baker Photography